CPTA 9-INHO EM FOLHA
Blogue de Contencioso Administrativo e Tributário da subturma 9 do 4.º ano - ano letivo 2015/16
segunda-feira, 21 de dezembro de 2015
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
Breve análise à reforma da reforma do contencioso administrativo português
Breve análise à reforma
da reforma do contencioso administrativo português
No dia 2 de Outubro, foi publicado
o Decreto-Lei nº 214-6/2015, este veio rever, de modo substancial, o código de
Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
É importante referir que esta revisão do CPTA acaba por “completar” a recente reforma do diploma estruturante correspondente ao Código do Procedimento Administrativo (CPA), ocorrida em Janeiro de 2015, e por outro lado, conformizar o CPTA com a reforma de fundo de que foi objeto o Código de Processo Civil (CPC) em 2013.
O paralelo com o processo de aprovação do novo CPA não deve no entanto iludir os operadores jurídicos quanto à diferente extensão da revisão do CPTA e do ETAF ora aprovadas: contrariamente ao ocorrido com o Código do Procedimento, CPTA e ETAF acabam por sofrer apenas revisões, não tendo por isso sido substituídas por novos diplomas.
Desta forma, o Contencioso Administrativo português conserva os traços estruturantes introduzidos com a reforma de 2002/2004, razão pela qual o Decreto-Lei nº214-6/2015 deve ser encarado, no limite, como diploma de aprovação da reforma da reforma.
Dito isto, iremos, em seguida, analisar de forma sucinta as inovações mais significativas trazidas pela reforma:
É importante referir que esta revisão do CPTA acaba por “completar” a recente reforma do diploma estruturante correspondente ao Código do Procedimento Administrativo (CPA), ocorrida em Janeiro de 2015, e por outro lado, conformizar o CPTA com a reforma de fundo de que foi objeto o Código de Processo Civil (CPC) em 2013.
O paralelo com o processo de aprovação do novo CPA não deve no entanto iludir os operadores jurídicos quanto à diferente extensão da revisão do CPTA e do ETAF ora aprovadas: contrariamente ao ocorrido com o Código do Procedimento, CPTA e ETAF acabam por sofrer apenas revisões, não tendo por isso sido substituídas por novos diplomas.
Desta forma, o Contencioso Administrativo português conserva os traços estruturantes introduzidos com a reforma de 2002/2004, razão pela qual o Decreto-Lei nº214-6/2015 deve ser encarado, no limite, como diploma de aprovação da reforma da reforma.
Dito isto, iremos, em seguida, analisar de forma sucinta as inovações mais significativas trazidas pela reforma:
· A alteração
em termos estruturantes, em relação ao modelo herdado d 2002/2004, toma
forma com a eliminação da bipartição entre ação administrativa comum e especial
e correspondente unificação de todos os processos não urgentes sob uma mesma
forma de processo, agora denominada “ação administrativa”
·
Maior simplicidade e clarificação no que
respeita às situações de dedução do incidente da invalidade de normas
regulamentares em processos cujo objeto principal não lhes diz respeito
·
Introdução de um novo processo urgente para os procedimentos de massa: é
introduzida uma nova forma de processo urgente direcionada para os
procedimentos de massa (mais de 50 participantes) em vários domínios. Em adição
a esta nova forma de processo urgente, o CPTA manteve os clássicos processos
urgentes, correspondentes ao contencioso dos atos administrativos em matéria eleitoral,
tal como o que diz respeito à formação dos contratos
·
Agilização
processos cautelares: de modo a evitar demoras, foram dados poderes
mais amplos ao juiz em matérias de produção de prova, assim como um único critério
de decisão de providências cautelares
·
Carácter
obrigatório e abrangimento dos TAC’s na publicação por via informática,
em base de dados de jurisprudência
De referir também, em particular, as modificações ao ETAF no sentido de
estender o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.
Nº 22634
Subturma 9
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
Os Princípios Relativos à
Prossecução Processual (Decurso, Condução e Extinção do Processo)
1
– Princípios da Tipicidade, da Compatibilidade Processual e da Adequação Formal
da Tramitação
O princípio da
tipicidade dos trâmites processuais constitui uma manifestação do princípio da
tipicidade das formas processuais que exige que os trâmites e a sua respetiva
sequência sejam fixados por lei ao contrário do que é característico do
procedimento administrativo, em regra mais flexível.
A
facilitação da cumulação de pedidos (empreendimento pretendido pela lei do
procedimento administrativo) implica a compatibilidade entre as diversas formas
de processo, que não obstam a tal cumulação; contudo, com a reforma de 2015,
tal hipótese reconduz-se essencialmente à cumulação de pedidos que seguem a
forma da ação administrativa com processos urgentes, nos termos do artigo 5.º/1
do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).
O
Professor Vieira de Andrade considera, no entanto, que para além dessa
hipótese, deve considerar-se aplicável ao procedimento administrativo, nos
termos do artigo 1.º do CPTA, o princípio da adequação formal, consagrado no
Código de Processo Civil (doravante CPC) no seu artigo 547.º, o qual significará
também, para esse autor, um reforço dos poderes inquisitórios do juiz.
2 - Princípio Dispositivo ou da Auto-Responsabilidade
das Partes, limitado pelo Princípio do Inquisitório
Do princípio da
auto-responsabilidade das partes decorre que, no que respeita à condução do
processo, que compete às partes interessadas a dinamização do processo; algumas
das suas expressões encontram-se no que vem disposto nos artigos 87.º/7, do
CPTA, 62.º do CPTA e 283.º do CPC e 159.º/1 do CPTA.
No
entanto, o objetivo da lei de evitar decisões formais leva a uma moderação da
tendência anterior da jurisprudência para exigir uma intervenção clara das
partes e para as responsabilizar pela defesa dos respetivos interesses no
processo, com consequências negativas para as partes que não zelaram de forma
mais eficaz pelos seus interesses.
Este
princípio encontra-se contudo sujeito a diversas limitações, sobretudo nos
processos impugnatórios: - nas impugnações dos atos e na ação popular social,
pelo princípio da oficialidade na medida em que o Ministério Público dispõe,
nos processos iniciados por particulares, da possibilidade de requerer o
prosseguimento do processo que tenha terminado por desistência do autor bem
como de eventual processo cautelar (62.º e 113.º/5 CPTA e artigo 16.º/3 da Lei n.º
83/95 de 31 de Agosto); - o facto de parecer que não se deve admitir a
confissão do pedido pela Administração como forma de pôr fim ao processo de
impugnação de atos, sendo que tal não se verifica em relação à transação, a
qual poderá ser admissível em situações de incerteza objetiva quando não esteja
em causa a prossecução do interesse público específico ou um interesse público
preponderante (já se admite, porém, uma decisão administrativa unilateral de
anulação do ato impugnado, o que, por satisfazer o interesse do autor por via
extra-processual pode provocar a extinção da instância por inutilidade
superveniente da lide); - o princípio da disponibilidade das partes encontra-se
limitado, nos processos impugnatórios pelo poder do juiz que se encontra
consagrado no artigo 95.º/3 do CPTA, pois os vícios relevantes não invocados
pelas partes poderão resultar da análise do processo pelo instrutor.
Tendo
em conta os poderes do juiz de direção do processo no processo civil previstos
no artigo 6.º do CPC, o princípio do inquisitório, sobretudo quando associado
ao princípio do favorecimento do processo constitui um limite intrínseco da
auto-responsabilidade das partes aplicável também no processo administrativo;
neste contexto, o artigo 7.º-A do CPTA vem então consagrar tal limite, após a
revisão de 2015.
3 - Princípios da Igualdade das Partes, da
Cooperação e da Boa-Fé Processual
O princípio da
igualdade das partes está consagrado no artigo 6.º do CPTA e dele decorre uma
limitação dos privilégios processuais da Administração, quer perante o juiz,
quer perante o particular ou em comparação com ele; uma das maiores bandeiras
nesta área é a da condenação da Administração por má-fé, não se presumindo, como
anteriormente, a sua boa-fé e a sujeição do Estado e demais entidades públicas
ao pagamento de custas.
O
princípio da cooperação encontra, por sua vez, consagração legal no artigo 8.º
do CPTA como decorrência constitucional do artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa (doravante CRP), sendo de notar os especiais deveres de
colaboração que impendem sobre as entidades administrativas, previstos no 8.º/4
do CPTA, a fim de compensar o seu domínio da relação jurídica substantiva.
No
mesmo artigo 8.º, mas no seu n.º 2 encontramos o princípio da boa-fé
processual; artigo esse que, de acordo com o Professor Vieira de Andrade,
assume especial importância num Código em que se concedem aos particulares
vastas faculdades que, a serem utilizadas de forma abusiva, podem pôr em causa
o bom funcionamento da justiça administrativa.
4 – Princípio da Audiência e do
Contraditório
Do princípio do
contraditório decorre a necessidade de ser dada efetiva oportunidade de
intervenção a todos os participantes no processo a fim de o juiz se poder
pronunciar de forma imparcial fundada nas razões de ambas as partes que compõem
o litígio; contudo, no processo administrativo significa sobretudo que não são
admitidas provas, nem proferidas pelo tribunal quaisquer decisões desfavoráveis
a um sujeito processual sem que este seja ouvido sobre a matéria, de forma a
que tenha a possibilidade de a discutir.
De
acordo com o Professor Vieira de Andrade tal corresponderá, nessa medida, ao
direito de audiência que, em relação aos particulares, deve ser entendido como
um direito fundamental (equiparados aos direitos, liberdades e garantias)
quando esteja em causa a aplicação de uma sanção pessoal.
Manifestações
específicas desse princípio podem ser encontradas nos artigos 57.º e 68.º/2 do
CPTA, 85.º do CPTA e 95.º/3 também do CPTA.
O
princípio do contraditório deve ser observado também nos processos urgentes com
algumas compressões constantes dos artigos 131.º/3 do CPTA e 366.º/1 do CPC.
5 – Princípio do Favorecimento do Processo
Nos processos
administrativos, o juiz, em face de uma questão prejudicial que seja da
competência de um tribunal de outra jurisdição, pode escolher livremente entre
sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie (devolução
facultativa), ou então decidir a questão com base nos elementos de prova admissíveis
e com efeitos restritos àquele processo (suficiência discricionária); contudo,
o juiz é obrigado a decidir a questão quando se encontrem verificados os requisitos
do artigo 15.º/2 do CPTA.
Também
se tem entendido, conjugando o princípio da suficiência com o da economia processual,
que o juiz deve optar por decidir a questão prejudicial se esta for simples e
existirem no processo todos os elementos necessários à formação do juízo
respetivo.
6 –
Princípio do Favorecimento do Processo
Decorrente do
princípio constitucional do acesso efetivo à justiça (administrativa) deparamo-nos
com o princípio do favorecimento do processo, o qual aponta para uma
interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o
acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação da justiça, designadamente
por excessivo formalismo.
De facto, a tutela efetiva, principalmente,
dos direitos dos particulares, tem de ser simultaneamente eficaz (na medida em
que realize os objetivos de proteção dos direitos) e eficiente (na medida em
que consiga tais objetivos de forma adequada, sem custos desproporcionados).
Podemos encontrar uma manifestação
desse princípio no artigo 7.º do CPTA; em concordância com o Professor Vieira
de Andrade poder-se-á considerar aplicável ao processo administrativo o artigo
278.º/3 do CPC, com base nas decorrências desse princípio.
De salientar que, na jurisprudência
têm-se fundamentado no princípio algumas soluções, como a da extensão
teleológica do artigo 63.º do CPTA, que permite a ampliação do objeto do
processo de modo a abranger também os casos de impugnação de atos jurídicos de
execução quando do ato exequendo haja apenas conhecimento posterior.
7
– Princípio da Economia e da Celeridade Processual
O princípio da economia e da celeridade
processual é uma manifestação do princípio da tutela judicial efetiva, e uma
decorrência dos artigos 20.º/4 e 5 da CRP, que nos diz que, em função do seu
objetivo, o processo deve ser eficiente e célere (devendo contudo atender-se à
complexidade do assunto e à necessidade de salvaguardar os direitos de defesa e
outros interesses legítimos das partes, bem como à razoabilidade do respetivo comportamento;
o que subjaz então, de mais interesse, é que a duração do processo não ponha em
causa a realização efetiva da justiça material, o que se pode conseguir através
das providências cautelares que asseguram o efeito útil das sentenças), devendo
evitar-se trâmites desnecessários ou excessivamente complicados, comportamentos
dilatórios e decisões inúteis.
Trata-se de um princípio geral de
todos os processos com decorrências na consagração e regime estabelecidos pelos
artigos 7.º-A, 97 e ss., 88.º, 91.º, 121.º e 132.º/5, 48.º e 161.º do CPTA.
Bibliografia:
- Vieira de
Andrade, José Carlos, A Justiça
Administrativa, Almedina SA., 14ª Edição, 2015, pp. 409-418.
Luís Neves, aluno n.º 23386, 4.º ano, subturma 9
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
Artigo 71º do CPTA - limites dos poderes de pronúncia dos tribunais administrativos nas ações de condenação à prática do ato devido.
A ação de condenação à prática do ato devido confere ao juiz poderes de injunção para impor diretamente a constituição pela Administração de situações jurídicas administrativas na esfera dos particulares. Está-se a contrapor princípios que necessitam de ser devidamente ponderados, o princípio da separação de poderes por um lado e por outro o princípio da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva. Isto é a cada poder estadual cabe um domínio funcional de competências reservado e no respeito por esse domínio funcional não deve ser descurado a tutela das posições jurídicas dos particulares perante a atuação da Administração, conferindo-lhes uma tutela jurisdicional plena (art.268º/4CRP).
Podemos ver desde logo no 3º nº 1 do CPTA consagrado o princípio geral desta independência face a outros poderes estaduais, em que o juiz administrativo limita-se a apreciar da legalidade/juridicidade da questão e não da conveniência ou oportunidade do ato.
O instituto de condenação à prática de ato legalmente devido, não é exceção e aliás como pode criar situações de fronteira merece uma tutela acrescida.. Ao alargar os poderes de pronúncia dos tribunais, está-se a criar uma área perigosa, em que o juiz pode vir a intrometer-se na área de autonomia decisória administrativa. Daí resultar a importância do artigo 71º do CPTA, visa limitar os poderes de pronúncia ponderando os princípios em causa.
O tribunal não se basta pela verificação da ilegalidade da recusa, mas também atende à pretensão material do particular e pronunciar-se sobre a mesma (71º/1CPTA). Para que haja lugar à condenação à prática do ato é necessário pelo menos vinculação quanto à oportunidade do ato, só assim se pode dizer que o ato era legalmente devido. O ato a que a Administração está vinculada a produzir não é de conteúdo necessariamente pré-determinado. Pelo que os poderes de pronúncia oscilam conforme a maior ou menor vinculação quanto ao conteúdo do ato.
O artigo 71º abarca várias situações possíveis:
1) Se o ato devido em apreciação for totalmente vinculado quer no que respeite ao conteúdo, quer no que respeite ao momento da prática do ato. Então o tribunal nos termos do artigo 71º/1 do CPTA não se limita à condenação à pratica do ato, mas deve condenar a Administração na produção de um ato com conteúdo e sentido especificados, totalmente densificados. Portanto se o ato é completamente vinculado e não há margem para discricionariedade ou livre margem de apreciação então o julgador é perfeitamente capaz de definir o conteúdo do ato que o particular pretende ver praticado.
Podemos ver desde logo no 3º nº 1 do CPTA consagrado o princípio geral desta independência face a outros poderes estaduais, em que o juiz administrativo limita-se a apreciar da legalidade/juridicidade da questão e não da conveniência ou oportunidade do ato.
O instituto de condenação à prática de ato legalmente devido, não é exceção e aliás como pode criar situações de fronteira merece uma tutela acrescida.. Ao alargar os poderes de pronúncia dos tribunais, está-se a criar uma área perigosa, em que o juiz pode vir a intrometer-se na área de autonomia decisória administrativa. Daí resultar a importância do artigo 71º do CPTA, visa limitar os poderes de pronúncia ponderando os princípios em causa.
O tribunal não se basta pela verificação da ilegalidade da recusa, mas também atende à pretensão material do particular e pronunciar-se sobre a mesma (71º/1CPTA). Para que haja lugar à condenação à prática do ato é necessário pelo menos vinculação quanto à oportunidade do ato, só assim se pode dizer que o ato era legalmente devido. O ato a que a Administração está vinculada a produzir não é de conteúdo necessariamente pré-determinado. Pelo que os poderes de pronúncia oscilam conforme a maior ou menor vinculação quanto ao conteúdo do ato.
O artigo 71º abarca várias situações possíveis:
2) No nº2 desse mesmo artigo admite os casos em que ainda que o ato devido pela Administração, em abstrato seja da livre apreciação da mesma, ou é praticado ao abrigo de prerrogativas de discricionariedade, no caso concreto reconhece-se que apenas se pode praticar o ato num sentido possível. (“permita identificar apenas uma solução legalmente devida”) Até há livre margem de apreciação por parte da Administração, mas in casu não consegue exercer essa livre margem de apreciação, só há um sentido possível da decisão da Administração, então pode o juiz mais uma vez, à semelhança do caso anterior, proferir decisão de conteúdo determinado. Há uma redução da margem de livre decisão a zero na emissão de sentença, o ato devido é especificado e totalmente densificado. Não resta outra alternativa à Administração do que emitir o ato com o conteúdo determinado. Qual o fundamento para estas situações? O demandante tem direito a que a margem de livre decisão seja exercida corretamente pela Administração como o artigo 71º/2 do CPTA postula, deve na sentença indicar à Administração a forma correta de o fazer (pela negativa). Podem exigir do Tribunal que condene a Administração a tomar uma atuação correta, mas não a condenar na escolha de uma das atuações possíveis (lembrar o princípio geral do art.3º/1 CPTA, legalidade e não conveniência). Ora se a margem de livre decisão está reduzida a zero, então a posição jurídica do particular vê-se reforçada e pode como tal na sua pretensão exigir da Administração uma atuação de conteúdo estrito.
A função normal da condenação da Administração à prática de ato legalmente devido é de alcance meramente negativo, ou seja apenas orienta a atuação devida pela Administração, dizendo quais as atuações vedadas. No entanto nos dois casos anteriormente referidos, há uma condenação de conteúdo positivo, condena-se a Administração ao ato concretamente devido e único que é devido. Não se questiona aqui a violação do princípio da independência, pois o juiz não se está a substituir à Administração, está com base no princípio da legalidade a determinar o ato legalmente devido, acautelando o interesse do particular.
3) Quando o ato devido envolver a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (a tal margem de livre decisão), mas não for possível determinar o conteúdo do ato, deve ser condenada à prática do ato. No entanto deve ser explicitado as vinculações a que a Administração está adstrita. Isto é, não sendo possível determinar o conteúdo do ato, atendendo ao controlo legal dos parâmetros de margem de livre apreciação e factualidade da situação concreta, deve o juiz apenas pronunciar-se do conteúdo vinculado, como que uma orientação ou delimitação da atuação devida pela Administração. Trata-se de um acertamento judicial que produz um efeito preclusivo sobre o subsequente reexercício do poder por parte da Administração.
4) O último cenário possível será aquele em que não parece haver qualquer tipo de vinculação quanto ao conteúdo do ato, apenas como referido anteriormente vinculação quanto à oportunidade para a prática do ato. Apenas se verifica o limiar mínimo de vinculação para poder ser tomada a decisão. Aqui o tribunal limita-se a condenar à Administração a reapreciar ou a decidir praticar o ato em causa.
Estes dois últimos vêm previstos também no artigo 71º/2 do CPTA.
Como António Cadilha refere no seu artigo, os casos em que os parâmetros de controlo da margem de livre decisão, conjugados com a factualidade da situação concreta, que permitem a redução a zero dessa mesma margem decisória, são excecionais. E assim se compreende não é de ânimo de leve que o tribunal deve proceder a condenações à prática de atos legalmente devidos de conteúdo determinado/estrito, deve dar relevância aos princípios e normas que vinculam a atuação da Administração (que a delimitam) e ainda atendendo às circunstâncias do caso concreto verificar com devida ponderação se não existe espaço algum para uma decisão por parte da Administração de conteúdo diferente. Sob pena de ultrapassar a barreira que separa a função administrativa da função jurisdicional.
Mário Aroso de Almeida - Manual de Processo Administrativo, 2013 pag. 94-104
João Quintanilha Garrinhas
Aluno nº 23437
BIBLIOGRAFIA
António Cadilha – Os poderes de pronúncia jurisdicionais na ação de condenação à prática de ato devido e os limites funcionais da justiça administrativa in Estudos em homenagem ao Prof.Doutor Sérvulo Correia, volume II, 2010 pag.161-223 Mário Aroso de Almeida - Manual de Processo Administrativo, 2013 pag. 94-104
A Aceitação do Acto Administrativo
A Aceitação do Acto
Administrativo
«Artigo
56.º
Aceitação do ato
1
– Não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera
anulabilidade quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de
praticado.
2
– A aceitação tácita deriva da prática espontânea e sem reserva, de fato
incompatível com a vontade de impugnar.
3
– A execução ou acatamento por funcionário ou agente nãos e considera aceitação
tácita do ato executado ou acatado, salvo quando dependa da vontade daqueles a
escolha da oportunidade da execução.»
O citado preceito do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) encontra-se inserido na
subsecção II, do capítulo II, do título II, dedicada à legitimidade para a
impugnação contenciosa de actos administrativos. Tal acontecia também na versão
do CPTA anterior à reforma de 2015. Ainda antes, o Regulamento do Supremo
Tribunal Administrativo incluía no seu artigo 47.º semelhante norma em
subsecção intitulada “Da legitimidade para recorrer”. Também o artigo 827.º do
Código Administrativo regulava a aceitação do acto administrativo, situado
entre os preceitos relativos à legitimidade activa e ao prazo de recurso[1].
Considerando que este pressuposto processual negativo não se deve reconduzir à
legitimidade, Vasco Pereira da Silva
entende este «tratamento “algo
deslocado”» como um reflexo dos “traumas
da infância difícil” por que atravessou o Contencioso Administrativo. A
ideia clássica de que os particulares não eram titulares de direitos
subjectivos perante a Administração levava a que a aceitação do acto
administrativo fosse tratada no âmbito da legitimidade processual, definindo-se
esta como um mero interesse do particular, até porque, por isso mesmo, não era
autonomizado o interesse em agir como pressuposto processual[2].
Este pressuposto assume
também relevância, com um tratamento semelhante, no procedimento
administrativo, surgindo regulado no n.º 2 do artigo 186.º do novo Código do Procedimento
Administrativo (CPA), sob a epígrafe “Legitimidade”. Aqui, a verificação deste
pressuposto preclude o acesso à impugnação administrativa.
Paralelamente, no processo
civil dispõe o artigo 632.º, n.º 2 do Código de 2013 (CPC) que “Não pode recorrer
quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.” Para além de aplicável aos
recursos jurisdicionais no contencioso administrativo, ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA, terá sido esta limitação ao
recurso das decisões judiciais a estar na origem dos citados preceitos de
direito administrativo[3].
A aceitação do acto
administrativo encontra o seu fundamento nos princípios constitucionais da
segurança jurídica e da boa fé, que prevalecem no confronto com o princípio da
legalidade e a liberdade de acesso ao Direito e à justiça.
O contra-fundamento[4]
“princípio da legalidade” (artigos 266.º, n.º 2 da Constituição da República
Portuguesa – CRP – e 3.º do CPA) assume aqui um sentido negativo, ou seja, “são proscritas actuações administrativas
que contrariem a lei”[5],
prevalecendo esta sobre as primeiras. Daqui decorre, em princípio, a invalidade
do acto que contrarie a lei, o que fundamenta o recurso aos mecanismos
jurisdicionais de modo a suprir a ilegalidade do acto[6].
No entanto, a necessidade de certeza e segurança jurídica decorrente do
princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP, exige
a estabilização dos efeitos dos actos administrativos que, aqui, assenta numa
atitude do particular, e que justifica também pretensões de economia processual[7].
Por sua vez, a tutela
jurisdicional efectiva especialmente consagrada no n.º 4 do artigo 268.º da CRP
enquanto garantia dos administrados, surge limitada pela tutela da confiança,
uma das concretizações do princípio da boa fé (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e
10.º, n.º 2 do CPA), que proíbe o venire
contra factum proprium. Esta forma de abuso de direito traduzir-se-ia, neste
caso, no exercício, pelo particular, do direito de impugnação em contradição e
incompatível com o comportamento anterior de aceitação do acto administrativo[8].
Como frisa José Vieira de Andrade,
o “acesso aos tribunais administrativos só
é assegurado pela Constituição aos particulares na medida em que estes sejam
sujeitos de direitos ou interesses legalmente protegidos e não a qualquer
titular de interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto que tenha
legalmente direito de recurso”, admitindo-se a compressão deste direito
pela sua ponderação com outros princípios constitucionais[9].
A nossa doutrina tem
entendido a aceitação do acto administrativo como “uma manifestação de vontade que traduziria o acordo, expresso ou
tácito, com um acto administrativo (definitivo e executório) já praticado, que
impediria o aceitante, se a aceitação fosse livre, de recorrer desse acto”[10].
De acordo com Rui Machete,
aproximando-se da doutrina italiana, esta manifestação de vontade dá-se sob a
forma de declaração negocial, com efeitos substantivos, nomeadamente a extinção
do direito de impugnar, e, como consequência, processuais, precludindo-se essa
possibilidade de impugnação do acto administrativo[11].
Por seu lado, Vieira de Andrade,
concordando que a aceitação do acto administrativo não manifesta “a aceitação da legitimidade substancial do
acto nem a sua convalidação”[12], rejeita
a existência de uma renúncia à posição jurídica substantiva, pois o que existe
é um mero acto jurídico do qual decorre o efeito de perda do direito, por
imposição da lei, atendendo à atitude do particular que se conforma com os
efeitos desfavoráveis do acto[13].
Associada a esta
discussão, mantém-se a divergência quanto à natureza processual deste
pressuposto. Como já acima se referiu, Vasco
Pereira da Silva, tal como Vieira
de Andrade, rejeitam o tratamento da aceitação como uma dimensão da
legitimidade activa, considerando que a inserção sistemática da figura no CPTA
decorre das teorias objectivistas já ultrapassadas. Assim, cabe determinar se
estamos perante um pressuposto processual autónomo ou uma questão de interesse
processual em agir. A favor da autonomia desta figura, Vieira de Andrade considera que a incompatibilidade da conduta
do particular com a vontade de recorrer deve “ser apreciada normativamente, isto é, em função da «inadmissibilidade»
valorativa do recurso”, cabendo ao juiz averiguar objectivamente essa
compatibilidade ou falta dela[14],
posição a que adere Sandra Lopes Luís.
Já Vasco Pereira da Silva não
considera existir vantagens na autonomização desta figura, reconduzindo-a ao
interesse em agir, em termos semelhantes ao processo civil, uma vez que o particular,
ao aceitar o acto, demonstra perda de interesse em agir contenciosamente contra
a administração. Assim, deve o juiz aferir do comportamento do administrado ao
abrigo desse pressuposto processual. De qualquer modo, por força do direito
fundamental de acesso à justiça (artigo 268.º, n.º 4 da CRP) não fica vedada a
revogação da aceitação[15].
Por outro lado, em
Portugal, a doutrina e a jurisprudência maioritárias consagram a aceitação do
acto administrativo como um pressuposto negativo de legitimidade. Nomeadamente,
Rui Machete sustenta, como
referido supra, o cariz negocial da declaração
aceitação com efeitos substantivos que implicam renúncia ao direito ou
interesse legítimo que conferiria legitimidade para a impugnação. Todavia, este
argumento será de rejeitar, pois, de acordo com a tese do acto jurídico, é a
lei que estabelece a perda da faculdade de impugnar, sem ter em conta a vontade
do particular. Também o argumento sistemático em que se apoia esta doutrina (a
inserção da aceitação do acto administrativo na subsecção relativa à
legitimidade para a impugnação) parece ser afastado pelo crescente pendor
subjectivista do contencioso administrativo.
Tomando posição nesta
querela, não cremos que se possa considerar existir uma efectiva perda do
interesse em agir com a aceitação do acto administrativo, na medida em que este
se dirige, geralmente, a actos desfavoráveis ao aceitante. Por isso, não se
poderá negar a utilidade da impugnação judicial pelo indivíduo. Deste modo,
como vem defendendo alguma jurisprudência recente, “a aceitação tácita do acto administrativo é um pressuposto processual
autónomo que implica a impossibilidade de impugnação ou a ilegitimidade
superveniente, consoante a aceitação ocorra após a prática do acto, mas antes
da propositura da acção, ou já na pendência desta”[16].
David Ribeirinho Alves
Aluno n.º 22444
Aluno n.º 22444
Bibliografia:
Almeida,
Mário Aroso de
¾ Manual de Processo Administrativo, 2013,
Almedina, Coimbra.
Almeida,
Mário Aroso de/Cadilha, Carlos
Alberto Fernandes
¾ Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos,
2005, Almedina, Coimbra.
Amaral,
Diogo Freitas do
¾ Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª
edição, 2011, Almedina, Coimbra.
Andrade,
José Carlos Vieira de
¾ “A Aceitação do
Acto Administrativo”, in Boletim da
Faculdade de Direito – Volume Comemorativo, 2003, Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, Coimbra, pp. 907 a 934;
¾ A Justiça Administrativa (Lições), 4.ª edição,
2003, Almedina, Coimbra.
Cordeiro,
António Menezes
¾ Da boa fé no Direito civil, 1984,
Almedina, Coimbra.
Luís,
Sandra Lopes
¾ A Aceitação do Acto Administrativo – Conceito,
Fundamentos e Efeitos,
2004, Lisboa.
Sousa,
Marcelo Rebelo de/Matos, André
Salgado de
¾ Direito Administrativo Geral – Introdução e
princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª edição, 2008, Publicações Dom Quixote,
Lisboa.
Silva,
Vasco Pereira da
¾ O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª edição,
2009, Almedina, Coimbra.
[1] Andrade,
José Carlos Vieira de, “A Aceitação do Acto Administrativo”, in Boletim da Faculdade de Direito – Volume
Comemorativo, 2003, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
Coimbra, p. 907 (nota 1), e Luís,
Sandra Lopes, A Aceitação do Acto
Administrativo – Conceito, Fundamentos e Efeitos, 2004, Lisboa, p. 127.
[2] Silva,
Vasco Pereira da, O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª ed., 2009, Almedina, Coimbra,
pp. 260 a 262 e 373.
[3] Andrade,
José Carlos Vieira de, op, cit,,
2003, p. 908 e Almeida, Mário
Aroso de/Cadilha, Carlos Alberto
Fernandes, Comentário ao Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, Almedina, Coimbra, p. 286.
[4] Expressão utilizada por Luís, Sandra Lopes, op. cit., p. 132.
[5] Sousa,
Marcelo Rebelo de/Matos, André
Salgado de, Direito Administrativo Geral
– Introdução e princípios fundamentais, Tomo I, 3.ª edição, 2008,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, p. 163.
[6] Ibid., p. 165.
[7] Andrade,
José Carlos Vieira de, op, cit,,
2003, pp. 922 a 923; Justiça
Administrativa (Lições), 2003, p. 261 e Luís,
Sandra Lopes, op. cit., 2004, Lisboa,
pp. 141 a 142.
[8] Amaral,
Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo, Volume II, 2.ª edição, 2011, Almedina, Coimbra, pp. 148 a
150 e Cordeiro, António Menezes, Da boa fé no Direito civil, 1984,
Almedina, Coimbra, pp. 742 e ss..
[9] Andrade,
José Carlos Vieira de, “A Aceitação do Acto Administrativo”, in Boletim da Faculdade de Direito – Volume
Comemorativo, 2003, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
Coimbra, pp. 931 a 932.
[10] Ibid., p. 909.
[11] Machete,
Rui, “Sanação (do acto administrativo inválido) ”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, Volume VII, 1996, Coimbra
Editora, Coimbra, pp. 336 e ss..
[12] Contra este entendimento vai a concepção
de Marcello Caetano, segundo a
qual da aceitação do acto administrativo decorre o saneamento da anulabilidade do
acto quanto ao aceitante, afectando-se a sua legitimidade para o impugnar; Caetano, Marcello, Manual de Direito Administrativo, 1991, Almedina, Coimbra, Volume
I, 9.ª edição, p. 534 e Volume II, 8.ª edição, p. 1248.
[13] Andrade,
José Carlos Vieira de, Justiça
Administrativa (Lições), 2003, pp. 260 e 261.
[14] Ibid..
[15] Silva,
Vasco Pereira da, op. cit., p. 374.
[16] Ac. do TCA Sul de 04/03/2010
(António Vasconcelos), processo n.º 02745/07. No mesmo sentido, Ac. do TCA Sul
de 25/11/2011 (Clara Rodrigues), processo n.º 08219/11.
Processos em Massa ou Seleção de processos com andamento prioritário – Breve análise ao novo artigo 48º do CPTA
1. Introdução
A figura dos
Processos em Massa encontra-se hoje prevista no artigo 48º do CPTA. Esta norma,
apesar de recente no ordenamento português, foi uma das que sofreu uma maior
reforma com o novo CPTA.
Esta figura tem
a sua inspiração no ordenamento jurídico Espanhol, na reforma do contencioso
administrativo em Espanha, concretizada em 1998 através da Ley de la jurisdicción Contencioso-Administrativa e pela Ley 37/2011,
de 10 de Octubre.
O direito administrativo é uma área de direito onde existe,
cada vez mais, um aumento da complexidade e do número de processos que envolvem
uma maior quantidade de envolvidos, além de se caracterizar pelo relacionamento duradouro entre a
administração e os particulares. Conforme o Professor
Vasco Pereira Silva chama atenção, as escolhas
da administração envolvem muitos interesses e muitas pessoas, pelo que é normal
a existência de processos em massa em Contencioso Administrativo.
Dito isto, cabe clarificar o que são Processos em Massa,
estes permitem que face a um número significativo de processos com semelhanças
suficientes, se possa selecionar um deles (Processo-Modelo ou Processo-Piloto),
ficando os demais suspensos, a aguardar a decisão judicial quanto ao que
avançou. O processo selecionado passa a ser tratado como urgente (art.º 48, nº
8 do CPTA) e, uma vez tomada a decisão judicial quanto aos que avançaram, devem
os autores nos processos suspensos adotar uma conduta, optando pelas
alternativas concedidas no numero 9 do artigo 48º.
2. Requisitos
para aplicação do Mecanismo
a)
Numero Mínimo de Pendências
Dispõe o artigo 48, nº 1 do CPTA que a aplicação destes
Processos em Massa pode ocorrer em duas situações:
-Mais de 10 Processos reportados a diferentes pronuncias da
mesma entidade administrativa, respeitantes à mesma relação jurídica material;
ou
-Mais de 10 processos reportados a diferentes pronuncias da
mesma entidade administrativa, respeitantes diferentes relações jurídicas
materiais coexistentes em paralelo, mas suscetíveis de ser decididas com base
na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto.
Nestes casos, o presidente do tribunal deve determinar o
andamento de apenas um dos processos e a suspensão dos demais que aguardaram a
decisão do primeiro, havendo posteriormente a extensão da decisão para estes.
No antigo CPTA, exigia-se a existência de mais de 20
processos em moldes semelhantes ao atual. Este número de processos necessários
para aplicação da figura em análise foi alvo de controvérsia, pois revelava-se
excessivo, limitando a aplicação do Processo em Massa pelos tribunais. A crítica
que se instalou a este requisito numérico surtiu efeito sendo diminuído para 10
o número de processos necessários, podendo assim ser mais frequente a presença
desta figura nos tribunais portugueses.
Uma outra questão que pairava na doutrina portuguesa
referia-se à exigência, ou não, de que os processos estivessem pendentes no
mesmo tribunal administrativo ou se, pelo contrário, era suficiente a pendência
no conjunto dos tribunais administrativos nacionais. Wladimir Brito entendia
que a solução legalmente consagrada exigia a pendência no mesmo tribunal
administrativo por falta de norma reguladora de conflitos que permitisse o
entendimento contrário. Em sentido oposto, João Tiago Silveira, entendia que, através de uma interpretação
extensiva do preceito, fundada no fim prosseguido pelo instituto, os processos
exigidos podiam estar pendentes em tribunais diferentes da jurisdição
administrativa. Porém, esta querela doutrinária ficou resolvida com o novo
nº 7 do art.º 48 do CPTA, este artigo vem fixar que, em caso de processos
existentes em diferentes tribunais, a aplicação deste regime é determinada pelo
Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, a quem competente estabelecer
qual ou quais os processos que devem ter andamento, oficiosamente ou mediante
proposta dos presidentes dos tribunais envolvidos.
b) Diferentes
Pronúncias da Mesma Entidade Administrativa
Como sabemos uma entidade administrativa é qualquer pessoa coletiva
de direito público, com competência para a prática de atos de autoridade.
Neste requisito, o legislador pretendeu alargar o âmbito do
mecanismo, sendo aplicável desde que
os atos sejam emitidos pela mesma entidade administrativa, independentemente do
órgão responsável pela mesma emissão. Assim, é concebível a agregação de atos
de diferentes órgãos da mesma entidade administrativa. Revela-se
suficiente a existência da mesma relação jurídica material ou a suscetibilidade
de decisão com base na aplicação das mesmas normas jurídicas a idênticas
situações
de facto.
c) Mesma relação jurídica material
Entende-se
por relação jurídica material a ordenação de dois ou mais sujeitos jurídicos em
relação a outros através da atribuição de poderes e deveres, isto é, de
posições jurídicas ativas e passivas. Assim,
a mesma relação jurídica material é aquela em que encontramos os mesmos tipos
de poderes ou restrições conferidas aos particulares perante a administração
pública.
d) Suscetibilidade de ser decidido com base na aplicação das mesmas normas
a idênticas situações de facto
Este critério abrange relações jurídicas materiais que
contendo diferentes porções de direitos e deveres dos particulares e da
administração, ainda assim, determinam a aplicação das mesmas normas jurídicas
para uma situação de facto.
e)
Audiência das partes
O nº1 do artigo 48 do CPTA determina ainda que o juiz tem de
ouvir as partes antes de proceder ao regime do Processo em Massa. Esta audição das
partes incide em dois aspetos, por um lado, acerca da conveniência da aplicação
do mecanismo dos processos em massa, e por outro, sobre o processo ou processos
que deverão ser escolhidos para avançar. Apesar do artigo não referir o prazo
para a audição das partes, seguimos a opinião de João Tiago Silveira em aplicar
o prazo de 10 dias do art.º
29º do CPTA.
3. Tramitação
O antigo nº 4 do artº 48 do CPTA não era concreto quando determinava
a aplicação dos prazos dos processos urgentes, visto que existem prazos
diferentes para cada tipo de processo urgente. Wladimir Brito entendia assim
que a urgência dos processos em massas era relativa, correm os prazos gerais,
excluindo assim a aplicação dos prazos do contencioso eleitoral e dos dois
tipos de intimações previstas no Código – ART. 99.º, 107.º, 110.º, que seriam
de 5 ou 10 dias respetivamente. Assim, o Autor defende que o prazo que se devia
aplicar era o do contencioso pré-contratual. Todavia o novo CPTA veio
solucionar também esta dificuldade, referindo o nº8 que são aplicáveis os
prazos constantes do art.º 36, nº 4 do CPTA para processos urgentes, isto é,
metade do prazo fixado para a ação administrativa.
Após a decisão para os processos escolhidos esta é notificada
às partes nos processos suspensos, sendo que os autores dos mesmos podem dentro
do prazo de 30 dias desistir do pedido ou recorrer da sentença proferida. No primeiro caso, da desistência do pedido, é compreensível
esta opção do autor quando a sentença
proferida para o processo escolhido não lhe for favorável e o seu processo não
apresente quaisquer especificidades que permitam prever uma decisão diferente,
para além de, desse modo, evitar o agravamento das custas processuais. Segundo
Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, seria este o resultado se o autor se abstivesse
de qualquer conduta, decorridos os trinta dias.
No caso de recorrer da sentença
proferida, caso haja provimento, os efeitos produzem-se apenas na esfera jurídica
do recorrente.
Devemos realçar o facto da reforma do
novo CPTA ter eliminado as alíneas b) e c) do antigo nº 5 do artigo 48º, isto
é, podia o autor requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos da
sentença proferida, deduzindo qualquer das pretensões enunciadas no art.º
176.º/3, 4 e 5 CPTA ou requerer a continuação do seu próprio processo.
Relativamente à primeira opção é perfeitamente aceitável a sua eliminação,
visto que, atualmente, a decisão da sentença produz efeito automático nos
processos suspensos devendo existir apenas a notificação das partes dos mesmos
(artigo 48, nº 9 do CPTA), não sendo necessário o requerimento de extensão da
sentença proferida aos outros processos. Quanto à antiga alínea b), a sua
extinção é legítima, visto que dificilmente o autor poderá obter uma sentença
diferente sem alterar ou acrescentar qualquer facto ao processo, sendo previsivelmente
mais favorável recorrer da decisão para tribunal de instância diferente.
4. Considerações finais
A reforma do CPTA procedeu a
profundas alterações do regime dos Processos em Massa. A figura processual em
estudo, apesar de importante, acabou por ser raramente aplicada, devido aos
seus excessivos requisitos, o que com o novo CPTA deixou de se verificar. Desde
logo, a diminuição do número de processos necessários facilitou a aplicação do
regime. A par deste aspeto, a alteração da expressão “o presidente do
tribunal pode determinar” para “o presidente do tribunal deve determinar”,
revela a vontade do legislador em incentivar o uso de regime, de forma a tornar
o processo mais célere e promover a igualdade das decisões dos tribunais para
casos semelhantes.
No entanto, a par deste incentivo e facilitação em aplicar o
regime dos Processos em Massa, o legislador atribui às partes meios para se
protegerem deste regime quando não lhes for conforme. Por um lado, o nº 3
contém uma exigência de segurança e justiça, indicando que a escolha do
processo modelo deve garantir que nele se discutem todos os aspetos de facto e
de Direito. Trata-se, assim, de uma norma garantia que evita a
discricionariedade dos tribunais na aplicação desta figura. Por outro lado, o
nº 5 permite às partes recorrem, no prazo de 15 dias, da decisão de suspensão
de tramitação ou de apensação de processos.
Desta forma, com o novo CPTA o legislador procurou facilitar
o uso desta figura e diminuir as dificuldades da tramitação no processo,
protegendo em simultâneo as partes dos processos suspensos, fornecendo uma
variedade de formas de atuação e de prossecução dos seus direitos. Tudo isto
sem abdicar do principal objetivo do artigo 48º do CPTA, que tem no seu escopo
a celeridade dos processos e a solução através de uma decisão rápida e bem
fundamentada e, como chama atenção o
Professor Freitas do Amaral, “assegurar que a decisão que venha
a ser proferida venha a ser assumida por todos ”, de forma a garantir a
igualdade e segurança jurídica dos processos semelhantes, evitando sentenças
dispares e injustas.
Talvez em resultado de toda esta reforma a própria epígrafe
do artigo 48º do CPTA foi alterada de “Processos em Massa” para “Seleção de
processos com andamento prioritário”, o que, em nossa análise, pretende nada
mais que representar a procura do legislador em aumentar o número de casos em
que este regime pode e deve ser aplicado.
Bibliografia
Almeida, Mário Aroso de, Comentário ao Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª Ed. 2010
Amaral, Freitas do, Direito Administrativo, Volume III,
Lisboa, 1989
Andrade, Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições),
Almedina, 12ª Edição, 2012
Brito, Wladimir , Direito processual administrativo :
lições , Associação de Estudantes de Direito da Universidade do Minho, 2004.Farinho,
Domingos Soares, Os Processos em Massa no Novo Contencioso Administrativo
Oliveira, Mário Esteves de, e Oliveira, Rodrigo
Esteves de, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: Anotado, Vol. 1,
Almedina, 2006
Silva, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo
Perdido, Almedina, Coimbra, 2003
Silveira, João Tiago Valente Almeida da, O mecanismo
dos processos em massa no contencioso administrativo in estudos em homenagem ao
Professor Doutor Jorge Miranda, Volume 4º, Coimbra, 2012
Ricardo Stoffel Costa
Nº 23345
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